segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Liberté - por Thiago Assoni


Girava e girava numa dança sem música,
sentindo o vento no rosto,
os cabelos bruxuleando naquele ritmo sem som.
O céu azul, as nuvens de algodão,
o verde da grama aos seus pés descalços.
O vestido branco se erguia levemente,
mostrando a perna magra e ferida em linhas retas e horizontais.
Os braços eram um emaranhado desforme o ar,
indo para lá e para cá, sem nexo.
Era perfeita por fora, visto aos olhos desconhecidos.
Tão bela, tão serena.
Frágil e dócil, era aquela menina.
Olhos fechados,
boca fina e num meio sorriso.
Não sabia se estava triste ou alegre,
se dançava ou agonizava.
Estava apenas ali de pé, no meio do parque.
Seria louca a menina dançante?
Não havia som algum para estar rodopiando assim...
Onde estava aquela menina?
De súbito caiu.
Convulsionou.
Tremeu no chão e parou.
Enfim seus lábios sorriram,
os olhos se abriram
deslumbrou o azul do céu.
Livre.
Desperta.
Viva.
Foi-se para se libertar.
Despertou do sonho que era estar viva.

Umbral. - por Thiago Assoni


Eram imensas aquelas asas negras que pairavam por sobre mim, encobrindo um azul que não era azul. Aos meus pés, água negra como petróleo e tão densa que lembrei de como ficava uma gelatina no meio do processo de endurecimento.
Árvores enormes erguiam-se aos céus, aquele céu que eu não conseguia deslumbrar como um dia foi possível. A ave estava ali, me observando. Os olhos brilhantes e vigilantes, paralisados. O bico formoso e tão negro como a água, ou como a própria penugem.
Algo sobre meus ombros pesavam. Eram as garras afiadas que afundavam em minha carne, o sangue escorrendo livre. Era um mar vermelho que descia minha pele alva, gélida.
Meus olhos fixaram ao longe, incapaz de distinguir as imagens que se construíam aos poucos bem ali, não muito longe. Uma moça esguia, esquelética, tão frágil vinha surgindo, subindo o morro íngreme e escorregadio. Sua cabeça girava no próprio eixo, mas era diferente...
Eram duas cabeças. Uma das faces me olhou séria, nariz franzido, como um felino em ataque. A outra face, entretanto, tinha não uma boca, mas um risco curvado para baixo, como se um sorriso cortado ao contrário. Era como ver o mundo em câmera lenta, mas ela não. A moça caminhava em diferentes velocidades, mas todas ao mesmo tempo. Havia um contorno que vibrava em outra frequência, quebrando a aura ao redor dela.
Os olhos da face triste eram imensos, um oceano profundo. Senti vertigem ao fixa-lo. Enquanto os olhos da face em ódio eram rasos, frios e sem brilho. Como uma serpente dançante ela continuava vindo até mim.
Ouvi sons de trovão, mas soube o que era no momento em que ergui meus olhos. A ave levantou voo, sumindo na escuridão do céu que não era mais azul. Não senti o ar em movimento com sua partido, nada além do som ensurdecedor do bater de asas.
Vagarosamente as árvores se curvaram tal como a cera de uma vela quando o fogo aquece demais. Em segundos, não havia mais nada. Até mesmo a água negra recusou, como se fosse absorvida pelo terreno esburacado.
Ela parou na minha frente, o par de cabeças me observando. Compaixão, indiferença. Temor e ódio. Desejo e nojo.
Suas mãos me tocaram e senti como uma corrente elétrica em cada nervo meu, correndo por todas as minhas veias como fiação clandestinas mal interligadas. Talvez fosse apenas o efeito colateral, mas senti o mundo inteiro tremer. Terremoto que saía de mim e escoava por todos os cantos do planeta.
As cabeças pararam e, de súbito, eram uma só. Quatro olhos enfileirados me observavam e notei a penugem negra na extensão dos braços dela agora. As unhas amareladas semelhantes às garras que sentira no meu ombro. Era tudo parte de uma coisa só.
Algo serpenteava minhas pernas, unindo-as. Olhei para baixo e estávamos em fusão. Ela era um espectro negro que deslizava e subia por sobre mim, tomando-me, preenchendo as lacunas que sentia dentro de mim. Era um veneno que me completava, a loucura que me fazia são.
Um grito ecoou em minha mente, alto demais para suportar e me manter em pé. Caí e senti o gosto de sangue em minha boca, a sujeira do chão em minhas mãos, as luzes piscando em meus olhos, o mundo criando e se desfazendo em milhões de formas.
Entorpecido, um último espasmo, meus olhos se retorceram. Os intervalos de luzes brancas diminuíam. As vozes vinham aos poucos e o cheiro familiar invadiu meus sentidos, fazendo-me saber exatamente onde estava de novo.
Respirei profundamente, vendo o vulto negro daquela mulher de duas cabeças sumir por aquele vale escuro e sombrio. Senti o braço sendo perfurado, um líquido me queimava as veias e me fazia mais lúcido, trazendo-me de volta ao mundo real que eu tentava escapar.
- Deixem-me partir! – supliquei na vã tentativa de voltar ao vale negro de outrora. Eu não temia aquele lugar, eu o desejava, eu o criara. Era meu refúgio, era onde eu queria estar...

sábado, 5 de dezembro de 2015

Distopia. - por Thiago Assoni


O céu acima de mim era negro e poucas bolinhas brilhavam lá ao longe, o que imaginei serem estrelas... não eram.
Ao redor, tudo era destruição. Carros por sobre carros, prédios eram apenas esqueletos de algo que um dia fora formoso, alto e imponente. Dava pra ver os móveis lá dentro ainda, ou o que restara deles.
Examinei tudo com calma. Olhei aos lados mais uma vez e só agora notei estar sentado em um tipo de maca metálica, fria, no meio do nada. Aquele teto que via era apenas uma cobertura furada com o que imaginei ser perfurações de algum tipo de arma de fogo. Ou teria sido algum tipo de chuva de meteoritos? Chuva ácida, talvez?
Eu não sabia de mais nada!
No horizonte, fumaça negra subia de algum lugar muito distante. O céu era escuro no centro, mas aos lados havia uma faixa alaranjada, como se fosse final de tarde.
Onde eu estava?
Levantei e percebi que estava descalço. Toquei o chão e senti as pedrinhas pontiagudas machucarem meus pés. Estava ventando frio e o vento vinha de todos os lados. Um som agudo persistia ininterruptamente, enchendo todo o silêncio sepulcral.
Não via nenhum vestígio de vida humana. Insetos, por sua vez, via aos montes. Baratas imensas e cascudas corriam de um lado para o outro, moscas de proporções que nunca imaginei pareciam besouros. Entretanto, não aspirei nenhum odor fétido. Não havia cheiro de morte, apesar do cenário caótico. Também não notava corpos entre os entulhos.
Era apenas um mundo destruído. Como se nunca houvesse vida antes, apenas construções retorcidas e alguns automóveis jogados de um lado para o outro.
Mesmo sentido as pedrinhas cortarem meus pés, caminhei até próximo de um ônibus escolar, daqueles amarelos que só tinha visto em filmes... Temia encontrar, finalmente, corpos mortos e todo meu corpo tremeu com a cena que minha mente criava.
Pé ante pé me aproximei. Silêncio, mas o som agudo que vinha de algum lugar permanecia ali junto ao medo do que poderia encontrar dentro daquele ônibus.
Respirei profundamente e não identifiquei cheiro ruim algum. Dei a volta e encontrei a porta aberta. Estiquei a cabeça para dentro e tudo estava vazio. Os bancos estava limpos, imaculados. Os vidros, ao contrário, enegrecidos com a poeira grossa que descia lentamente dos céus.
Sentei na escadinha de acesso e observei aquela cena: destruição. Uma névoa densa vinha descendo vagarosamente, tomando o quadro à minha frente. A poeira se misturava e o ar estava difícil de respirar. Senti meu peito chiar, pesado com a respiração.
Uma mistura de sentimentos me tomou naquele instante. Não sabia ao certo o que se passava. Sentia falta, mas não lembrava exatamente de quê. Tudo ali parecia outro mundo, como se minha memória buscasse algo de séculos atrás.
O que estava acontecendo?

***

Tempos caminhando, meus pés já não suportavam mais. Avistei o que havia sido um playground e fui até ele. O gira-gira continuava girando com crianças fantasmas, pois não havia ninguém sentado ali para que continuasse fazendo-o girar. Os balanços iam e vinham sozinhos, no ritmo cadenciado do vento que soprava de todos os cantos. Sentei em um dos balanços e deixei-me ir e vir vagarosamente. Fechei os olhos e deslumbrei o que poderia ter sido aquele lugar tempos antes.
Risadas infantis se fizeram ouvir e abri os olhos. Parei o balanço com os pés machucados e deixei-me observar novamente aquele parquinho. Vi o carrinho de pipocas com o vidro quebrado e a pintura gasta; vi uma toalha xadrez que pendia de um galho seco da árvore morta; a quadra esportiva sem trave, ou rede, ou nada que lembrasse uma quadra esportiva, não fosse a estrutura básica de arquibancadas e o retângulo de concreto...
Eu sentia um resquício de vida por ali, naquelas formas suaves e com alguma cor que restara. Os brinquedos de ferro retorcidos ainda deixavam um colorido sujo, enferrujado. O fim não parecia ser o final.
Cansado, suspirei e apoiei a cabeça na corrente do balanço. De soslaio, notei algo no chão ao lado. Surpreso, precisei despertar para acreditar.
Ali, no meio de toda aquela destruição, uma flor amarela subia sozinha da terra. Não havia nenhuma outra, apenas ela. Ajoelhei-me e aproximei meus olhos para vê-la. Não era artificial! Toquei-a levemente para sentir a delicadeza da pétala. Era pequena, tão frágil... Mas tão resistente! A única vida naquele lugar...
Ouvi risadas infantis novamente e olhei para trás. Uma sombra se passou, sumindo por detrás de um amontoado de terra e entulho onde antes havia um escorregador de concreto, daqueles grande onde tinha um túnel por debaixo.
- Hey! – gritei meio rouco, e só então notei que ainda tinha voz.
Minha voz soou como um eco que nunca mais terminava, misturando-se com o som agudo que estava sempre presente.
Levantei e deixei para trás a flor amarela. Se é que tinha mais alguém ali, precisava ver quem poderia ser.
Sentia dores nos pés, mas isso não impediu que eu fosse atrás do que queria descobrir. O escorregador de concreto estava rodeado de entulho, mas notei a entrada do túnel livre bem ali ao lado.
Com o resto de força que ainda tinha, corri para a meia lua que o túnel formava. Olhei ali dentro e paralisei. Aqueles olhos amendoados brilhavam com um sorriso imenso, esperançoso, inocente.
Meu peito encheu-se de dor e angustia, mas aquela crianças me presenteava com aquele sorriso generoso e iluminado. Eu tremia, ela sangrava. Não, ela chorava! Chorava sangue, mas ainda sorria.
A criança me estendeu as mãos pequenas, machucadas. Um coração pulsava entre os dedos miúdos. Assustado, olhei o pulsar e voltei os olhos do pequeno. O menino ainda sorria com seus olhos sujos de sangue. Vagarosamente, ele segurou o coração com apenas uma das mãos e, com a outra, apontou para mim.
Segui o dedo esqueleto do menino que apontava para mim e olhei para me ver. Minha camisa encardida estava suja de sangue também, um círculo na altura do peito onde deveria bater meu coração. Como num reflexo, levei a mão ao peito e só então percebi que havia um vácuo ali.
Voltei os olhos para o pequeno e ele sorriu, como se confirmando aquilo o que eu imaginava. Aquilo em suas mãos era o meu coração! Meu coração em frangalhos que eu havia abandonado, deixado ferir. Meu coração que sangrava por sentimentos fúteis, e estava destruído por mim mesmo.
Quando toquei a mão do menino e senti meu coração pulsar, vi que, na verdade, a criança era eu! Vi que aquele mundo caótico e destruído, abandonado... Tudo era eu!
Loucamente chorei e me deixei cair. Fechei os olhos e o vento aumentou, forte, frio, barulhento. Tudo o que já estava destruído parecia ruir, como se um imenso buraco estivesse se abrindo e engolindo tudo. Em seguida, a sensação de queda livre. Caindo no vazio de outro espaço, flutuando no Universo negro e brilhante. Milhões de planetas, uma explosão no infinito e tudo se iluminou.


Invadido por aquela luminescência, eu acordei. E mais um dia estava começando para ser vivido. 

À Flor da Pele... - por Thiago Assoni




Suas mãos tocaram-na com delicadeza e, pouco a pouco, ele foi abrindo cada botão da camisa social a qual ela usava. A lingerie de renda surgiu mostrando bem as curvas dos seios fartos e perfeitos da jovem. Ele mergulhou em um beijo fogoso por entre aquela pele branca e macia ao mesmo tempo em que a deixava livre do sutiã na cor da pele.
Miriam delirava de prazer, sentindo o desejo à flor da pele, arrepiada de tesão. Os lábios que lhe beijavam tão calmamente quase a deixava à beira da loucura! Há tempos não se sentia assim tão desejada! Aquele cara sabia muito bem como fazer e isso era algo notável!
Lentamente as mãos desceram pela cintura, apertando-a suavemente e levando-a para mais perto do corpo másculo dele. Ainda aos beijos, caminharam até esbararem em um móvel da sala e foi ali mesmo que ele terminou de despi-la. Gentilmente sentou-a sobre a madeira em mogno e afastou-lhe as pernas com sutileza, tanto que Miriam quase nem percebia o que se passava.
E mais uma vez ele mergulhou entre as pernas dela, sugando-a com destreza. Miriam erguia a cabeça com a boca semicerrada em um gemido que não saiu, morrendo ainda na garganta. A espinha dorsal se fez ereta e em outro instante ela se retorceu. O gemido outrora preso na traqueia escapou longo e generoso em um gozo abundante e explosivo.

Ele então se ergueu e sorriu, deslumbrando Miriam nua a sua frente. Aspirou delicado perfume daquela garota que jazia agora morta sobre o móvel da sala. Ao contrário dela, o tal homem nem ao mesmo se dera ao trabalho de tirar sua roupa, estava completamente vestido em um terno negro com gravata no mesmo tom. Arrumou o cabelo penteado para trás e saiu, tomando a noite que já ia tarde lá fora.