terça-feira, 27 de abril de 2010

Conto - Queimem As Bruxas. - Thiago Assoni




- Deixa que queimem, todas elas! - gritou o reverendo. - Seres do demônio!
- Elas têm pacto com o Senhor das Trevas! - gritou mais alguém em meio à multidão.
- Bruxas, malignas! - outrem berrou.

E a fogueira foi acesa. No tronco que se erguia preso ao chão, elas estavam presas, observando em silêncio o fogo consumir pouco a pouco todas aquelas madeiras aos seus pés. Sentiam o calor subir, as labaredas do inferno humano.

Olhavam para todos que ali estavam vendo-nas quase mortas, prontas para serem queimadas. Incriminadas pelos pecados que aqueles que as condenavam cometiam. Aquilo não poderia terminar daquele forma, não era justo! Não naqueles tempos, não em pleno ano de 2010. Aqueles mentes doutrinadas, com pensamentos fervorosos, cegos e doentios, eram os que cometiam os maiores males pelos quais pregavam... Não podiam morrer por ignorância e adoração extremista!

Aquela era a praça onde muitas delas brincaram quando criança, ou que encontravam as amigas após a aula... Aquela mesma praça onde quase todas cresceram, seria também o cenário de suas mortes...

Então, lá ao longe, por depois de toda aquela multidão, viram a Luz que se aproximava mansa, ganhando a praça aos poucos. Demorou até que pudessem notar quem eram:
Eram elas... Eram muitas... Negras, ruivas, orientais, loiras... Eram as matriarcas, as Bruxas! E elas sorriram e este era o motivo de tanta luminescência: a luz emanava de seus sorrisos!
As matriarcas eram um contraste em vista daquela cidade moderna e cheia de prédios. Vestidas com seus longos e esvoaçantes vestidos, criavam um imenso círculo invisível. Apenas as bruxas da fogueira podiam vê-las e mais ninguém.

E todas estavam ali. Todas as que também já foram queimadas séculos atrás! Suas ancestrais. Elas que morreram um dia pelo mesmo motivo: a ignorância, a estupidez, a sede pelo poder da verdade absoluta! Em nome de um deus de amor.
As matriarcas fecharam os olhos, enquanto as bruxas na fogueira ergueram o olhar para a Grande Deusa: a Lua Cheia.

- E que Queimem as Bruxas! - gritou novamente o reverendo. - Se for para ser: que assim seja e assim se faça!

Vindo do alto, um som quase ensurdecedor se fez ouvir. Das entranhas celestiais, dos recônditos divino, um grito clamava por justiça.

- A salvação da alma nunca esteve à venda em nenhum Templo! - gritou uma das bruxas amarrada ao tronco. Era ela, era Wanda. - O Sagrado feminino foi violado em tão tenra idade, todas nós fomos violentadas por esta Palavra que deveria exaltar o Amor, mas apenas mata e causa discórdia...

Outro trovão se fez ouvir, reverberando por todos os cantos da cidade, fazendo tremer desde o prédio mais firme até às mãos agora incertas do reverendo com rugas de preocupação na face.
O céu ia se iluminando de quando em quando, ganhando raios abstratos no firmamento em breu. Wanda olhou para as companheiras naquela mesma situação humilhante e procurou as matriarcas... Mas nenhuma delas estava mais lá. Nem mesmo a Lua brilhava mais no céu.
Não podia ser... Não era possível que tal como o Filho do Homem, estavam elas também sendo abandonadas na hora derradeira...
Mas então, uma voz sussurrou ao ouvido de Wanda, calando aqueles pensamentos.

- Sua alma é fortaleza... Nenhuma Bruxa morre no fogo, apenas transmuta...

Então, não se ouvia mais a turba raivosa em seus gritos histéricos de outrora. Não se ouvia mais o reverendo gritando pela morte daquelas que acusava de serem concubinas de Satã. Fez o silêncio, e um vento rasteiro surgiu, erguendo as chamas que quase tocavam o céu. Pelo fogo, a transmutação... E nenhum grito mais se ouviu.

***

Aos poucos ela sentia o vento passar e o calor das labaredas bruxuleantes à sua frente iam baixas. Wanda estava agora sentada , de pernas cruzadas, num grande terreno rodeado de árvores de cúpulas triangulares e moitas vastas. Era quase possível afirmar que estava escondida naquele terreno de terra vermelha, já que o acesso era difícil.

Um circulo estava desenhado no chão. Wanda estava dentro dele, olhos fechados, mas sentiu o exato momento em que se aproximaram. Elas estavam ali, de mãos dadas, sobre o risco marcado na terra avermelhada que formava o círculo. Wanda apenas sorriu e ouviu:

- A Terra para firmar, a água para irrigar, o vento para transformar e o fogo para lapidar... E que queimem as Bruxas, se assim puder ser... E que assim seja e que assim se faça!




Pitty - Quem vai queimar?

Encaixotem os livres
Desinfectem os cantos
Estuprem as mulheres
Brutalizem os homens.

Despedacem os fracos
Enfeitem a moda
Sodomizem as crianças
Escravizem os velhos.

Fabriquem as armas
Destruam as casas
Façam render a guerra
Escolham os heróis

E queimem as bruxas
Deixa queimar...
E queimem as bruxas
Quem vai queimar?

Empurrem conselhos
Forneçam as drogas
Engulam a comida
Disfarcem bem a culpa.

Protejam a igreja
Perdoem os pecados
Condenem os feitiços
Decidam quem vai morrer.

Contaminem a escola
Violentem os virgens
Aprisionem os livros
Escrevam a história.

E queimem as bruxas
Deixa queimar...
E queimem as bruxas
Quem vai queimar?

Quem ordena a execução
Não acende a fogueira
(Pai, rogai por nós)

E queimem as bruxas
Deixa queimar...
E queimem as bruxas
Quem vai queimar?

3 comentários:

  1. Inspirador...desenvolva...e pode virar um conto belissimo! adorei! e eu simplismente sou apaixonado pela Pitty e pelo seu trabalho =)
    continue assim...não enterre seu talento nato!
    Até =D

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